É a solidão.

Sim, a solidão, o vazio, a incompleteza. 

É a minha essência, é o que me define. 

Depois de tantos anos, séculos, eras... O que sobra é o vazio. 

É o preço a se pagar por uma eternidade. A não-morte não é confortável e gentil, ela é fria, é dura, é amarga.

Muitos tentam preencher o vazio com o que podem agarrar: poder, luxúria, mais mortes. Mas é tudo passageiro, são apenas motivações vazias para uma vida v
azia.

Qual o propósito de uma vida que não tem fim? Até quando isso é prazeroso? É apenas uma prisão disfarçada. A tentação do poder, do fascínio, promessas de uma criatura mesquinha e narcisista que não consegue aguentar essa solidão e precisa de alguém para dividir essa angústia. Mas eles não admitem. Não querer dar o braço a torcer, que essa “dádiva” que eles tanto prezam é apenas uma ilusão. A ilusão do domínio e da conquista. Conquista de território, conquista de castelos, de pessoas, de almas. O gosto do sangue parece a melhor coisa do mundo. Sim, no inicio sim. Com o tempo é apenas o que nos deixa vivos, alguns simplesmente desistem e somem. Somem. Eles não morrem, se recusam, são muito egoístas pra isso. Alguns acabam retornando depois de anos, apenas para tentar achar um novo propósito raso como desculpa para mascarar o vazio. Meu coração é negro, é frio, e assim como eu, sem vida. Minha vida não é minha. Minha vida é composta de sobras. Sobras de vidas alheias, vidas que eu preciso ceifar para saciar minha sede. O gosto do sangue já me é amargo, a culpa enche minha boca enquanto estou sorvendo o liquido escarlate. Eu apenas sigo em frente, e assim como os meus, me recuso a morrer. Quem sabe um dia me matem, em alguma emboscada, um mutirão decide me caçar. Sim... Pode ser por isso que eu ando tão desleixada em minhas caçadas. 

Mas é impossível me matarem.

Não existe ninguém capaz de tal feito extraordinário.

Eu sou a mais forte. 

Em todos os meus anos de vida e não-vida, ninguém foi capaz de me derrubar. Todos meus adversários foram sobrepujados pela minha força. De onde vem essa força? Por que continuar lutando? Se eu me sinto tão vazia, o que me faz seguir em frente? Essa é a nossa maldição, (não) viver eternamente, vagando pelas entranhas do inferno que é a nossa existência nesse mundo. Trazer o inferno para as pobres almas que aqui habitam inocentemente. Trazer o inferno para as almas cruéis que causam tanto sofrimento aos seus companheiros de vida. Tudo parece tão ínfimo, todos os conflitos, guerras, romances, relações afetivas. São coisas tão passageiras e sem propósito para quem tem tanto tempo disponível. Nada mais tem gosto, nada mais me traz alegria, ou no mínimo a mais diminuta satisfação.

As vezes sonho com o sol.

Meu instinto monstruoso e covarde me impede de tentar vê-lo novamente, nem mesmo por um segundo sequer.

Sinto falta do seu calor.


Comentários